terça-feira, 25 de novembro de 2014

Da Tua Melhor Amiga (Agora Morta)

Da Tua Melhor Amiga (Agora Morta)
 
Campo Fantasma, 25 de novembro de 2014
            Querida Emma,
            Se estás a ler esta carta é porque provavelmente um agente da polícia bateu à tua porta a reportar um suicídio e entregou-te isto. Isto. Nada de mais. Nada de especial. Apenas umas últimas palavras minhas direcionadas a ti.
            Como tiveste a oportunidade de reparar, no local, escrevi “Campo Fantasma”. Pode parecer loucura, mas quem acreditava e continua a acreditar nas ideias de Einstein irá compreender. Muito provavelmente, a minha alma consegui encontrar um cantinho sossegado para onde se pudesse refugiar. Quanto a mim, eu já não sou nada. Sou aquele vazio que teve origem na nossa última conversa.
            Naquele dia, eu tive a dignidade de te mostrar quem eu verdadeiramente sou. De quem eu verdadeiramente gosto. E tu… Nada. Continuaste com aquele teu olhar semicerrado com que andas sempre, não foi? Ah! Quase me esquecia, acrescentas-te algo. O que é que disseste? Que eu era uma porca e uma anormal, certo?
            Sabes que mais, não me interessa. Podes-me chamar o que mais de feio há no mundo, podes-me humilhar perante o mundo todo e até podes cuspir-me na cara, que eu irei sempre sair de rosto erguido e com um sorriso de orelha a orelha e gritar cada vez mais alto: “Eu amo-te”.
            Podes não gostar de mim. Não me importa. Eu sei como é que o muro de Berlim se aguentou, e é dessa maneira que o meu sentimento por ti se vai manter firme.
            Podes contar a toda a gente o que sou. Não me importa. Ninguém é perfeito. Aprendei a viver com isso!
            Quanto ao ser anormal, concordo contigo. Sou uma verdadeira anormal. Uma verdadeira passada da cabeça. Mas é por isso que te amo. Amo-te por ser uma anormal, amo-te por gostar de pessoas diferentes, mas especiais. E tu és uma pessoa diferente, mas especial. Apesar dessas tuas atitudes ocasionais, tu és uma pessoa com dignidade, que deixa os seus males de lado quando está com os amigos, que os ajuda quando eles precisam. Tu é boa pessoa.
            Quanto ao “porca”, apenas te posso contar a minha situação. Quando cheguei a casa arrebatada, com um longo, mas estreito rasto de lágrimas na cara, enchi a banheira e tomei banho, enquanto chorava. E chorava. E chorava. Talvez tenha ficado devidamente limpa, mas isso já não podes confirmar.
            No fim, tudo estava feito. Uma campainha soou nos meus ouvidos e eu percebi que estava na hora de partir. Afinal, já tinha feito tudo. A corda em forma de círculo esperava-me lá no alto. Subi para um banco e o resto já sabes.
            No fim de leres isto, não quero que te sintas mal. Não foste a culpada da minha morte. Eu apenas não consigo viver sendo uma porca e uma anormal. Apenas quero que percebas que as pessoas tem sentimentos e coragem para fazerem o que fiz. Que as pessoas têm dignidade e vontade de emendar os seus erros só para agradar as outras pessoas, mesmo que estas não mereçam tal tratamento. Que as pessoas são capazes de enfrentar tudo e todos só para dizer uma simples frase: “Eu amo-te”.
            Eu amo-te, Emma,
            Da tua melhor amiga (agora morta),
            Adèle.
 
            PS: E continuarei a gritar cada vez mais alto: “Eu amo-te! Eu amo-te! EU AMO-TE!”
 
Baseado no filme francês "A Vida De Adèle" vencedor da Palma de Ouro do festival de Cannes de 2013.
V .F.


Sem comentários:

Enviar um comentário